MANDUME, REI DOS KWANHAMAS
No sul de Angola há um marco de resistência. Em Ohiole, Cunene, a terra abraça o corpo de um dos mais conhecidos e temíveis pesadelos das forças coloniais europeias. Mandume-ya-Ndemufayo foi o último rei dos Kwanhamas e um dos símbolos máximos da luta angolana contra a invasão estrangeira.
Ao contrário do que muitos pensam, os portugueses não ocuparam durante séculos e séculos o que hoje corresponde ao território angolano. Até ao século XIX, a colonização expandia-se, sobretudo, pelo litoral. O interior, imortalizado anos mais tarde como a “Angola profunda”, foi sendo conquistado pouco a pouco em guerras com os reinos locais, muitas vezes já entrado o século XX. A provar que a velha historiazinha foi mais propaganda colonialista que outra coisa, está a conhecida saga de Mandume, o grande rei Kwanhama.
No final do século XIX e princípio do século XX, os portugueses e alemães disputavam o sul de Angola. Aproveitando essa rivalidade, Mandume, rei dos Kwanhamas, conseguiu comprar armas aos alemães.
Temendo que os alemães ocupassem o território, os portugueses atacaram Njiva de surpresa, antes que a defesa estivesse totalmente preparada. Mandume teve de fugir. Começou então a percorrer o território Ambó, tentando unir todas as tribos para a luta.
Os Ambó, grandes guerrilheiros, muito bem organizados e comandados por um chefe corajoso, venceram os portugueses numa série de batalhas. Os portugueses tiveram de mandar vir reforços e conseguiram dividir os Kwanhamas. Com isso, conseguiram vencer as batalhas de Mongua e Mofilo. Preferindo a morte a não viver sobre o domínio colonial, Mandume suicidou-se em 1917. Mandume ainda hoje é querido e venerado pelo seu povo.
Estávamos em 1911 e o jovem que uma famosa foto (contestada por muitos historiadores) mostra como alto e maciço, assume os destinos do reino Kwanhama, o mais forte e poderoso dos reinos Ambós (sul de Angola e norte da Namíbia). Nascido em 1884, Mandume estava destinado a ser um herói trágico. Na primeira parte do seu reinado (1911 – 1915), dedicou-se a revolucionar as regras que regiam a vida do seu povo. Mudou a capital dos Kwanhamas da Embala Grande para Ondjiva, e emitiu decretos reais inovadores. Um deles, anotam vários historiadores, permitiu às mulheres ser proprietárias de gado.
O momento, no entanto, era tenso. Cobiçados tanto por portugueses como por alemães, os territórios na margem do Cunene eram barril de pólvora a ponto de explodir. Instados pelos apetites estrangeiros e alianças secretas entre invasores e povos da região, batalhas e mais batalhas punham o território a ferro e fogo. O advento da Primeira Guerra Mundial, que opôs Portugal à Alemanha, então colonizadora do chamado Sudoeste Africano (actual Namíbia), não ajudou em nada a um cenário já por si complicado.
Ciente que a “hora agá” se aproximava a galope, Mandume formou alianças entre os Kwanhamas e os restantes povos Ambós – Kuamatuis, Evale, Dombala e Kafima – numa luta contra um inimigo comum. De arma na mão, o chamado “Cavaleiro Incomparável” lançou-se numa luta de seis anos, impondo derrotas pesadas aos portugueses. Com o fim da Grande Guerra, Portugal lançou, entre 1915 e 1916, uma série de ofensivas que acabou por impor a sua ocupação dos territórios Ambós aquém Cunene. Para a História, ficou a tristemente célebre batalha de Môngua, a norte de Ondjiva, que impôs uma das derrotas mais pesadas às tropas de Mandume. Na região, são vários os lugares que ainda hoje lembram estas guerras, como a Fortaleza Roçada e o Monumento do Mufilo (Xangongo).
Com a guerra perdida, e abandonado por muitos dos seus anteriores aliados, a 6 de Fevereiro de 1917 Mandume morre na localidade de Ohiole, hoje município de Namacunde. As versões deste suspiro final variam, de acordo às conveniências. Sul-africanos e portugueses relataram, na época, que Mandume morreu em batalha, cravejado de balas; por seu lado, a tradição oral garante que, perante a derrota inevitável, Mandume preferiu suicidar-se a cair nas mãos dos inimigos. Já morto, o rei foi decapitado. A sua cabeça foi exibida em várias cidades da região. Ainda hoje autoridades namibianas exigem aos antigos colonizadores a restituição dos restos mortais de Mandume.
O mito perdurou até aos dias de hoje. Depois da Dipanda, a figura de Mandume foi recuperada como símbolo da resistência nacional, tanto de Angola como da Namíbia, que partilha connosco este personagem histórico.
Em 2002, reconhecendo o simbolismo do rei Kwanhama, abria portas o Complexo Memorial do Rei Mandume, no lugar onde o soberano perdeu a vida e foi enterrado (sem a cabeça!). A cerimónia foi presidida pelos presidentes angolano e namibiano. O lugar é simples, mas altamente representativo. Arcos verdes cruzam-se, protegendo o último leito do rei, que está rodeado de estacas de madeira, como numa embala da região. É lugar sagrado para os Kwanhamas, e ponto de visita obrigatório para quem quer conhecer melhor as histórias e lendas que formaram o nosso país.
No túmulo, uma citação de Mandume em forma de epitáfio diz muito do antigo rei: “Se os ingleses me procuram, estou aqui; e eles podem vir e montarm-me num ardi, não farei o primeiro disparo, mas eu não sou um cabrito nas mulolas, sou um homem (…) e lutarei até gastar a minha última bala”. E assim foi.
Mandume Ya Ndemufayo (1894 — Sul de Angola, 6 de Fevereiro de 1917) foi o último rei dos Cuanhamas, um povo pertencente ao grupo etnolonguístico dos ovambo (ou ambó) do sul de Angola e norte da Namíbia.
Mandume opôs aos portugueses uma resistência tenaz, enfrentando ao mesmo tempo o avanço dos ocupantes alemães que vinham do sul. Face à superioridade militar dos europeus, acabou vencido. Segundo a tradição oral angolana, Mandume, ao notar que já não tinha outra saída, preferiu suicidar-se ao ter que se render. O relato oficial Sul-africano afirma no entanto que Mandume foi morto a tiros por um destacamento das forças sul-africanas
Em 2002 foi inaugurado o Complexo Memorial do Rei Mandume no local onde o rei perdeu a vida e onde se encontra sepultado. Em 2009, a universidade pública constituída no Lubango, a partir de faculdades anteriormente pertencentes à Universidade Agostinho Neto, recebeu o nome “Universidade Mandume ya Ndemufayo”.
Em Agosto de 1915, Mandume perde a batalha da Môngua e abandona Ondjiva, sede do reino. Incitado pelos ingleses, foge para Oihole na fronteira com a Namíbia, presta vassalagem à majestade britânica e constrói nova embala sob domínio inglês, já que só mais tarde Namacunde integrou território português.
Mandume desenvolve actividades nos domínios ocupados pelos portugueses; incitando as suas tropas à revolta. Um ano depois dirige fortes combates no Kwanhama, tentando reconquistar o reino perdido. As autoridades portuguesas pedem aos ingleses que ponham fim às actividades de Mandume.
A 30 de Outubro de 1946, aniquila as forcas portuguesas comandada pelo tenente general Raul de Andrade, e recusa-se a ir a Windhock, Namíbia conferenciar com os ingleses a quem teria dito “que venham ao Oihole se quiserem” e deixou um aviso: “se os ingleses me querem, podem vir apanhar-me. Não dispararei o primeiro tiro, mas não sou um touro do mato. Sou homem, não uma mulher, combaterei até ao último cartucho”.
Última batalha
Mandume travou violentos combates entre as localidades de Namacunde e Oihole, mas os ingleses contornam a operação. Kalola, um subordinado, vigiava o norte. Uma força portuguesa entrou em acção. Pelo sul, em Ondangua os ingleses lutavam com pequenas forças de Mandume. O soba do Kwanhama, com 600 homens da sua guarda pessoal; enfrenta o último combate.
Cabeça do rei
Até ao momento desconhecer se o destino da cabeça do rei. Os portugueses dizem que encontraram o corpo decapitado. Hoje a embala do Oihole é um lugar histórico e condigno ao homem que foi senhor de um grande reino e que combateu com valentia contra o general português Pereira D ‘Eça. Visitar o Oihole é conhecer a história do país, as inúmeras vicissitudes que o povo ambó viveu durante, as guerras de ocupação colonial, a resistência e determinação dos chefes tradicionais.
Em Oihole está presente o memorial do Rei Mandume Ya Ndemufayo, uma das figuras incontornáveis quando o assunto é a luta de resistência à ocupação colonial no território do Cunene. O monumento foi construído para homenagear a figurado soberano, o povo ambó e os anónimos que ofereceram uma grande resistência à ocupação colonial na região. Situado a 45 quilómetros da cidade de Ondjiva o memorial foi erguido na localidade onde o rei perdeu a batalha frente aos ingleses e portugueses.
Actualmente o complexo carece de, obras de melhoramento. Os trabalhos de reabilitação tão paralisados há um ano.
Segundo o director provincial da Cultura, Celestino Vicente, a paralisação das obras deveu-se a problemas financeiros. “O complexo do Oihole estava a receber algumas obras de melhoramento e ampliação, mas foram interrompidas e neste momento o Governo Provincial está a fazer tudo para recomeçar os trabalhos”, salientou Celestino Vicente. A reabilitação prevê arranjos profundos na campa de Mandume o aumento da área residencial com mais quartos, à construção de uma biblioteca, um museu e uma piscina.
UM FILME DE SÉRGIO GUERRA
Hereros Angola é um documentário sobre o grupo étnico do mesmo nome. Habitantes das terras do sudoeste de Angola e provenientes dos povos bantos, os hereros são donos de uma tradição ancestral que é passada oralmente de pais para filhos. O filme mostra o conhecimento vivo destes povos, em constante movimento: do nascimento à morte, atravessando os mais importantes aspectos da ancestralidade, que mantêm essa milenar cultura de pé e que agora ganha novos sentidos através da câmera cinematográfica. Os planos levam a territórios improváveis da experiência humana, que aos olhos externos podem parecer somente exóticos. Através de um convívio intenso com esses povos, o filme mostra um presente, que não só reflete o passado, mas eterniza uma cultura quase sem registros.
FICHA TÉCNICA
O documentário tem duração de 86 minutos. Concepção e direção: Sérgio Guerra/ Produção executiva: Sérgio Guerra e João Guerra/ Roteiro: Marcelo Luna/ Direção de fotografia: Hamilton Oliveira/ Coordenação e pesquisa: João Guerra e Vanessa Francisco/ Montagem: Mariana Valença e Marcelo Luna/ Direção de arte: Renato Barreto/ Trilha sonora: Bira Marques/ Edição de Som: Catarina Apolônio e Napoleão Cunha/ Som direto: Napoleão Cunha.






