Texto: Ângela Canganjo
Fotografia: Celso Salles & Educasat
REVISTA ECONOMIA & MERCADO – Agosto 2018
Três jovens angolanos juntaram-se para dizer “não” às cáries dentárias e “sim” a sorrisos lindos e dentes saudáveis. O projecto chama-se “Cárie Not” e foi criado com o propósito de melhorar a saúde oral dos angolanos, em especial de crianças e pessoas de baixa renda, visto que a odontologia é uma das especialidades médicas mais caras nas clínicas do país.
o preço das consultas será, sem dúvida, o principal motivo que afasta os angolanos dos consultórios dos dentistas. Numa breve pesquisa telefónica junto de unidades hospitalares de Luanda, foi fácil apurar que essas consultas custam entre os 35.000 Akz e os 250.000 Akz. Terá sido também por isso que, em finais de 2013, Isaías Chipende Oliveira, na altura estudante de Medicina da Universidade Jean Piaget, uniu esforços com os colegas de turma Hélder Sunguahanga e Mónica Sebastião, para dar corpo ao “Cárie Not”, que inicialmente serviu para sensibilizar as comunidades sobre os cuidados a ter em termos de saúde dentária, já que a informação sobre esse assunto é débil e escassa. Hoje médicos, Isaías e os colegas começaram por enviar cartas a instituições de ensino, as únicas que manifestaram disponibilidade para abraçar o projecto, embora nem sempre com a aceitação esperada. “Ninguém acreditava em nós”, conta. Após várias tentativas, algumas escolas aceitaram o desafio e os três amigos começaram a realizar palestras sobre saúde oral. Já em 2014, o projecto “Cárie Not” estabeleceu uma parceria com a organização internacional Agência Adventista de Recursos Assistenciais (ADRA – Internacional), que já tinha um programa de saúde oral que pretendia implementar em todo o país. “Nessa altura, já trabalhavam com cinco escolas em Viana. Juntos, começámos a desenvolver o projecto, que era semelhante ao ‘Cárie Not’. Para cobrirmos mais províncias, precisávamos de mais pessoas e recrutámos 45 voluntários, entre amigos e colegas da universidade”, lembra Isaías Oliveira. Depois desta experiência, decidiram concretizar o projecto “Cárie Not”, ensinando técnicas de escovagem e a escolher pastas de dentes, em iniciativas financiadas por eles próprios. “Tínhamos de dividir as nossas poupanças entre as propinas e o financiamento do projecto”, revela Isaías, que conta ainda que, nessa altura, além de escolas, começaram também a trabalhar em igrejas, onde conseguiam reunir um maior número de pessoas necessitadas.
Fazer o bem faz bem
O projecto “Cárie Not” já percorreu diversas províncias de Angola e atendeu mais de 3.000 pessoas (ver caixa), contando com 25 médicos e 15 voluntários. Numa das iniciativas levada a cabo junto de uma igreja, Carla Miguel, uma das pacientes, conta que sofre de cáries desde criança e que, aos 42 anos, já extraiu quatro dentes. “Quando me apercebi que viriam jovens à nossa igreja, deixei de ir vender para tratar de mim”, afirma. “Já tinha ouvido falar sobre o ‘Cárie Not’ durante a missa, só não imaginava que seria realmente tão bom. Gostei muito do atendimento”, diz Marta Luanda, de 30 anos, outra das pacientes. “O problema das dores de dentes na minha família é muito frequente. O meu pai usa prótese solta há 30 anos e o incómodo e a falta de segurança são muito grandes”, conta Marta. Hoje pode dizer que tem um sorriso novo e dentes lindos. “Acho que já deveria ter feito isto há mais tempo”, confessa. Dilma Manuel, estudante de medicina dentária da Universidade Jean Piaget, é uma das 15 voluntárias no projecto. Para ela, ter a oportunidade de melhorar as condições de vida de alguém passou a ser primordial. “Abrir mão do próprio conforto faz qualquer um crescer”, afirmou a futura dentista. “Quando embarcámos nesta aventura sabíamos que seria difícil, mas temos o consolo de estarmos a ajudar pessoas que precisam de nós, e também ganhamos, porque recebemos carinho e a satisfação de ver as pessoas com saúde”, afirmou Maria Suzana, uma das primeiras voluntárias a abraçar o projecto “Sorria Angola”, outra das iniciativas em defesa da saúde oral que, entretanto, se associou ao “Cárie Not”.
PARCEIROS DE MÃOS DADAS
Ao projecto “Cárie Not” juntaram-se, além do “Sorria Angola”, instituições como o Standard Bank (com o programa “Os Heróis de Azul”) a Fundação de Inventores e Inovadores de Angola (FII@). Segundo o CEO do “Sorria Angola”, Celso Salles, a ideia deste programa de saúde oral em Angola nasceu em Viena, Áustria, em Novembro de 2010, durante a estadia dos Meninos Pintores de Angola, um projecto do Centro de Acolhimento de Crianças Arnaldo Janssen (CACAJ), em Luanda. No dia em que os meninos chegaram à Europa, Celso ofereceu-lhes guloseimas e “fast food”. “Nem é preciso dizer que os meninos pintores devoraram as delícias”, recorda divertido. Porém, algo chamou a sua atenção: um menino que olhava para o prato e não comia. Celso foi conversar com o rapaz e percebeu que ele estava com dor de dentes. No dia seguinte foi levado ao médico e, embora precisasse de ficar mais uma semana em Viena para tratar do problema, lamentavelmente, tal não foi possível porque o visto de permanência dos meninos era somente para os dias da exposição que foram fazer naquela cidade. Quando os rapazes voltaram para Angola, já Celso Salles tinha em mente o programa a que chamou de “Saúde Bucal Angola”, que visa atender, em primeiro lugar, a população mais carente. O responsável percebeu que era “o momento certo para a implementação do programa, que começa agora a dar os primeiros passos de uma longa caminhada”, diz esperançoso. Mas também lamenta as dificuldades que tem encontrado para trazer mais médicos dentistas para o país, nomeadamente devido ao processo de atribuição de vistos para profissionais. De recordar que, até ao momento, o “Sorria Angola” já viajou para províncias como Benguela, Huambo, Huíla, Kwanza Norte, Malanje, Bengo e Luanda. Outro parceiro que se juntou ao “Cárie Not”, foi o Standard Bank, com a iniciativa “Os Heróis de Azul”, que actua em várias frentes (apoio logístico e financeiro a outras instituições de solidariedade social). No âmbito da sua política de acção social, o banco entendeu que a educação e a saúde constituem os pilares fundamentais para o normal funcionamento das sociedades. Segundo um dos responsáveis da instituição, Jelson Domingos, o Standard Bank tem estado, desde há seis anos, a apoiar diferentes comunidades em Angola, nomeadamente através da oferta de donativos, essencialmente constituídos por bens de primeira necessidade. Para este responsável, fazer parte do projecto “Cárie Not” resulta numa imensa satisfação, por menor que seja a contribuição, pois esta “fará sempre uma grande diferença na vida de alguém”. “Somos dotados de uma capacidade superior para realizarmos coisas incríveis, para o bem e para o mal. Cabe-nos escolher o melhor para a Humanidade”, reforçou. De recordar que as acções do Standard Bank de apoio às comunidades carenciadas já existem há muito tempo. “Com a associação ´Cárie Not’ começámos a trabalhar em 14 de Outubro de 2017, altura em que o Standard Bank, em parceria com a Associação Médicos pela Vida, promoveu uma acção de Saúde na Comunidade da Nazaré, localizada no Bairro da Vidrul, Município de Cacuaco”, especificou Jelson Domingos.